Nesta parte, os contos serão trocados seguidamente
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O tempo e o diabo
Em seu apartamento, Francisco frita dois ovos e esquenta água para o café. O óleo da frigideira borbulhando e um rádio mal sintonizado fundem-se num único ruído, que faz companhia ao homem. Francisco, endividado, não gosta de falar com vizinhos. Mora no número 403. Tem uma entrevista de emprego às 6hs. Não tem dinheiro para o ônibus.
São cinco horas da manhã.
Kátia e Júlia são vizinhas. A primeira mora no 302. A segunda, no 301. Porta em frente de porta. Estão chegando de uma festa. Kátia não quis nada com o cara que tentou beijá-la. Júlia debochou do sujeito, que mandou as duas à merda. Beberam muita tequila. Não conseguem parar de rir. Mas riem baixinho, com a mão na boca para não acordarem os pais. Kátia tem vinte anos. Júlia, vinte e três. Não conseguem nem encontrar as chaves nas bolsas. Kátia olha para Júlia e respira fundo. Júlia não entende.
Em cima da sala de Francisco, no 503, Everton Cavalcante escreve seu primeiro romance. Chama-se O tempo e o diabo. Escrito numa só sentada. Já está ali há quase onze horas. O tempo e o diabo nunca será publicado. Everton inicia o décimo nono capítulo. Acredita ser o último. Tem dezenove anos. Está cansado. Passou a noite em frente àquele computador. Everton ainda não sabe fugir dos clichês. Treme um pouco as mãos e sacode as pernas. Que livro! Que livro!
No apartamento 304, Vladimir ouve o barulho de Kátia e Júlia. Levanta pé-por-pé da cama para não acordar a mulher. Passa pelo quarto do filho de nove anos e fecha a porta. Está somente de cueca. Vladimir, com todo o cuidado, no escuro, espia pelo olho mágico. Elas estão lá. Tenta virar a chave sem ruído. Consegue. Abre apenas uma fresta. Elas estão lá. Ele não sabe qual é a mais linda. Qual ele agarraria primeiro. Se pudesse, pegaria as duas no colo, por baixo das nádegas. Lamberia suas barriguinhas. Beijaria seus pescoços. Vladimir, quase quarenta e cinco, sonha sempre com elas.
Atrás do prédio, Tcharles sobe no poste para roubar fios de cobre. Seu companheiro segura a escada. Não há polícia ali. É bem escuro. Fios de cobre dão uma boa grana no ferro-velho. Tcharles não jantou hoje. Também não foi à escola. Está perdendo tempo, diz a vizinha, amiga da mãe. Já vai fazer dezoito anos. E se continuar assim, acabará na cadeia. Tcharles sabe disso. Mas fazer o quê? Acha que é fácil ver os outros com tênis e coisas da moda e ter de andar chinelão? Tcharles tira um alicate do bolso. É a primeira vez que faz aquilo.
São cinco horas e cinco minutos da manhã.
Kátia, num salto, dá um longo beijo na boca de Júlia.
Vladimir não acredita. Vladimir quase tem um orgasmo.
Tcharles mexe no fio errado.
Tudo escurece.
Everton ainda não salvara O tempo e o diabo.
Ouve-se um tiro.
O prédio tranca a respiração.
Os ovos continuam fritando.
A água, fervendo.
Em seu apartamento, Francisco frita dois ovos e esquenta água para o café. O óleo da frigideira borbulhando e um rádio mal sintonizado fundem-se num único ruído, que faz companhia ao homem. Francisco, endividado, não gosta de falar com vizinhos. Mora no número 403. Tem uma entrevista de emprego às 6hs. Não tem dinheiro para o ônibus.
São cinco horas da manhã.
Kátia e Júlia são vizinhas. A primeira mora no 302. A segunda, no 301. Porta em frente de porta. Estão chegando de uma festa. Kátia não quis nada com o cara que tentou beijá-la. Júlia debochou do sujeito, que mandou as duas à merda. Beberam muita tequila. Não conseguem parar de rir. Mas riem baixinho, com a mão na boca para não acordarem os pais. Kátia tem vinte anos. Júlia, vinte e três. Não conseguem nem encontrar as chaves nas bolsas. Kátia olha para Júlia e respira fundo. Júlia não entende.
Em cima da sala de Francisco, no 503, Everton Cavalcante escreve seu primeiro romance. Chama-se O tempo e o diabo. Escrito numa só sentada. Já está ali há quase onze horas. O tempo e o diabo nunca será publicado. Everton inicia o décimo nono capítulo. Acredita ser o último. Tem dezenove anos. Está cansado. Passou a noite em frente àquele computador. Everton ainda não sabe fugir dos clichês. Treme um pouco as mãos e sacode as pernas. Que livro! Que livro!
No apartamento 304, Vladimir ouve o barulho de Kátia e Júlia. Levanta pé-por-pé da cama para não acordar a mulher. Passa pelo quarto do filho de nove anos e fecha a porta. Está somente de cueca. Vladimir, com todo o cuidado, no escuro, espia pelo olho mágico. Elas estão lá. Tenta virar a chave sem ruído. Consegue. Abre apenas uma fresta. Elas estão lá. Ele não sabe qual é a mais linda. Qual ele agarraria primeiro. Se pudesse, pegaria as duas no colo, por baixo das nádegas. Lamberia suas barriguinhas. Beijaria seus pescoços. Vladimir, quase quarenta e cinco, sonha sempre com elas.
Atrás do prédio, Tcharles sobe no poste para roubar fios de cobre. Seu companheiro segura a escada. Não há polícia ali. É bem escuro. Fios de cobre dão uma boa grana no ferro-velho. Tcharles não jantou hoje. Também não foi à escola. Está perdendo tempo, diz a vizinha, amiga da mãe. Já vai fazer dezoito anos. E se continuar assim, acabará na cadeia. Tcharles sabe disso. Mas fazer o quê? Acha que é fácil ver os outros com tênis e coisas da moda e ter de andar chinelão? Tcharles tira um alicate do bolso. É a primeira vez que faz aquilo.
São cinco horas e cinco minutos da manhã.
Kátia, num salto, dá um longo beijo na boca de Júlia.
Vladimir não acredita. Vladimir quase tem um orgasmo.
Tcharles mexe no fio errado.
Tudo escurece.
Everton ainda não salvara O tempo e o diabo.
Ouve-se um tiro.
O prédio tranca a respiração.
Os ovos continuam fritando.
A água, fervendo.
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Os miolos da esposa de Andersom
Estacionou o carro desajeitado em frente de casa. Abriu o porta-malas. Abriu a caixa de ferramentas. Fechou tudo. Soltou a gravata. Pegou o envelope sobre o banco do passageiro. Bateu a porta do automóvel. Acionou o alarme. Meteu a chave na fechadura. Entrou. Largou o envelope na mesa. Duas fotografias escorregaram de dentro. Subiu as escadas de carpete fofo. Ela estava no banho. Hitchcock, lembrou. Deu-lhe dezoito marteladas na cabeça.
3 comentários:
Conheci o walmor Santos em meados de 2002 e, com toda certeza, um dos melhores editores - escritor- deste lado do país.
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hábraços
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claudio
Olá, Ítalo. Passei no seu blog e gostei muito dos textos. Parabéns.
Abraços
Ricardo
Quando sai o terceiro livro, em 2007? Já li os dois primeiros e espero o próximo.
Márcia Guedes
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